quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

...como será o tempo que será?


Verdade seja dita, não há quem resista: numa data assim, por mais
arbitrária que seja, qualquer um sente a tentação de perguntar-se
como será o tempo que será.


Embora não possamos adivinhar o tempo que será, temos, sim, o
direito de imaginar o que queremos que seja. Que tal começarmos
a exercer o jamais proclamado direito de sonhar? Que tal
delirarmos um pouquinho? Vamos fixar o olhar num ponto além da
infâmia para adivinhar outro mundo possível:


o ar estará livre do veneno que não vier dos medos humanos e das
humanas paixões;


nas ruas, os automóveis serão esmagados pelos cães; as pessoas não
serão dirigidas pelos automóveis, nem programadas pelo computador,
nem compradas pelo supermercado e nem olhadas pelo televisor;


o televisor deixará de ser o membro mais importante da família e
será tratado como o ferro de passar e a máquina de lavar roupa; as
pessoas trabalharão para viver, ao invés de viver para trabalhar;


será incorporado aos códigos penais o delito da estupidez, cometido
por aqueles que vivem para ter e para ganhar, ao invés de viver
apenas por viver, como canta o pássaro sem saber que canta e brinca
a criança sem saber que brinca;


em nenhum país serão presos os jovens que se negarem a prestar o
serviço militar, mas irão para a cadeia os que desejarem prestá-lo;


os economistas não chamarão nível de vida ao nível de consumo, nem
chamarão qualidade de vida à qualidade de coisas;


os cozinheiros não acreditarão que as lagostas gostam de ser fervidas
vivas;


os historiadores não acreditarão que os países gostam de ser invadidos;
os políticos não acreditarão que os pobres gostam de comer promessas;

ninguém acreditará que a solenidade é uma virtude e ninguém levará
a sério aquele que não for capaz de deixar de ser sério;


a morte e o dinheiro perderão seus mágicos poderes e nem por
falecimento nem por fortuna o canalha será formado em virtuoso
cavaleiro;


ninguém será considerado herói ou pascácio por fazer o que acha justo
em lugar de fazer o que mais lhe convém;


o mundo já não estará em guerra contra os pobres, mas contra a
pobreza, e a indústria militar não terá outro remédio senão declarar-
-se em falência;


a comida não será uma mercadoria e nem a comunicação um negócio,
porque a comida e a comunicação são direitos humanos;


ninguém morrerá de fome, porque ninguém morrerá de indigestão;

os meninos de rua não serão tratados como lixo, porque não haverá
meninos de rua;


os meninos ricos não serão tratados como se fossem dinheiro, porque
não haverá meninos ricos;


a educação não será um privilégio de quem possa pagá-la;

a polícia não será o terror de quem não possa comprá-la;

a justiça e a liberdade, irmãs siamesas condenadas a viver separadas,
tornarão a se unir, bem juntinhas, ombro contra ombro;


uma mulher, negra, será presidente do Brasil, e outra mulher, negra,
será presidente dos Estados Unidos da América; e uma mulher índia
governará a Guatemala e outra o Peru;


na Argentina, as loucas da Praça de Maio serão um exemplo de saúde
mental, porque se negaram a esquecer nos tempos da amnésia
obrigatória;


a Santa Madre Igreja corrigirá os erros das tábuas de Moisés e o sexto mandamento ordenará que se festeje o corpo;

a Igreja também ditará outro mandamento, do qual Deus se esqueceu:
"Amarás a natureza, da qual fazes parte";


serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da alma;

os desesperados serão esperados e os perdidos serão encontrados, porque
eles são os que se desesperam de tanto esperar e os que se perderam de
tanto procurar;


seremos compatriotas e contemporâneos de todos os que tenham
aspiração de justiça e aspiração de beleza, tenham nascido onde tenham
nascido e tenham vivido quando tenham vivido, sem que importem nem
um pouco as fronteiras do mapa ou do tempo;


a perfeição continuará sendo um aborrecido privilégio dos deuses; mas
neste mundo confuso e fastidioso, cada noite será vivida como se fosse
a última e cada dia como se fosse o primeiro.

Por Eduardo Galeano


Não me sinto em tempo de inspiração... Ontem houve uma espécie de

estranho que me disse "moral lá para cima"!

Este texto tem a força de me ajudar um pouquinho nisso, por isso, decido

juntá-lo aqui... Mais uma espécie de post-it mental! Perdoem-me o plágio

mas não acredito que quem escreve algo assim, não sinta vontade de se

ver partilhado :)

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